A Necessidade do Novo Nascimento (sermão pregado por Martinho Lutero)
Sermão pregado pelo Reformador Martinho Lutero, para o Domingo da Santíssima Trindade de 11 de junho de 1536:
"Havia um homem dos fariseus que se chamava Nicodemos, um principal entre os judeus. Este veio a Jesus de noite e lhe disse: “Rabi, sabemos que és mestre vindo de Deus, porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes se Deus não estiver com ele. Respondeu-lhe Jesus: “Em verdade, em verdade te digo se o homem não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus”. Nicodemos lhe disse: “Como pode um homem nascer de novo sendo velho? Pode por acaso entrar uma segunda vez no ventre de sua mãe e nascer?”Respondeu-lhe Jesus: “Em verdade, em verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito não poderá entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne; o que é nascido do Espírito é Espírito. Não te maravilhes do que eu te disse: é necessário nascer de novo. O vento sopra onde quer e se ouve o seu som; mas ninguém sabe de onde vem e nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito”. Perguntou-lhe Nicodemos: “ Como pode acontecer isso?” Respondeu-lhe Jesus: “Tu és mestre de Israel e não sabe disso? Em verdade, em verdade te digo que aquilo sabemos falamos, e aquilo que temos visto testificamos, mas vós não recebeis o nosso testemunho. Se eu vos tenho dito coisas terrenas e não acreditastes, como acreditareis se eu vos falar das celestiais? Ninguém subiu ao céu, senão aquele que de lá desceu, o Filho do Homem, que está no céu. E assim como Moisés levantou a serpente do deserto, é necessário que o filho do homem seja levantado para que todo aquele que Nele crer, não se perda, mas tenha vida eterna. Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu filho unigênito para que todo aquele que Nele crer não se perda, mas tenha vida eterna”. João 3:1-16
COMO ALCANÇAR A SALVAÇÃO, a pergunta principal da humanidade
Hoje
ainda não lhes foi explicado o Evangelho. Escreve o evangelista São João
que certo fariseu de nome Nicodemos veio ao Senhor de noite e teve com
ele uma conversa, e Cristo, de sua parte, lhe pregou um sermão para
aquele homem piedoso que realmente ele não sabia que fazer com ele:
quanto mais o ouvia, menos o entendia.
Sobre
essa historia se prega todo ano. Mas como hoje o momento novamente é
propício, falaremos mais uma vez sobre ela. Desde que o mundo existe, os
sábios que existem nele se perguntam: “De que modo se pode alcançar a
justiça e a bem-aventurança?” Essa questão se discute desde quando há
homens na terra, e continuará sendo discutida até que o mundo chegue a
seu fim. Ainda nos nossos dias atuais pode-se ver com quanto ardor
debatemos esse assunto. Todos crêem estar em condições de emitir um
juízo, porém, com seu juízo, revelam sua ignorância. Esta mesma questão,
como nos informa o Evangelho para o dia de hoje, Cristo a tratou com um
homem que, falando nos términos da lei judaica, era uma pessoa
corretíssima e muito instruída.
Aquele
homem quer discutir sobre aquilo que devemos fazer e como devemos viver
para sermos salvos, e espera que Cristo lhe dê uma resposta. “Porque tu”
ele diz, “és mestre vindo de Deus, pois os sinais que tu fazes vão além
da capacidade de qualquer ser humano. Nós os fariseus ensinamos, no
campo do espiritual, a lei de Moisés. Opinas tu que há algo melhor que
possa nos recomendar?” Surge assim na discussão entre ambos a pergunta
sobre as obras, ou seja, a vida perfeita – a pergunta que inquieta aos
homens de todas as gerações.
I. O que tenta alcançar a salvação pelos caminhos das obras, não a alcançará
Já os
antigos romanos meditavam com muita seriedade sobre qual era o caminho
reto a seguir, acerca de como, por exemplo, se devia lidar corretamente
com a casa e a família. Seus interesses se dirigiam diante de toda a
exata determinação do que exige a “justiça”. Mas com isso se meteram em
um problema que não tem solução, como eles mesmos tiveram que admitir:
“excesso de justiça, excesso de injustiça.” Por qual motivo? Porque a
“justiça” no sentido estrito da palavra está fora de nosso alcance. Por
isso que se tem que buscar o caminho do meio e adaptar-se às
circunstâncias. Nesse sentido também se costuma dizer: “acertou como os
atiradores quando acertam o alvo”, quer dizer, não graças a sua
pontaria, senão graças a um impacto fortuito. Pois um bom atirador e até
um eventual ganhador é também aquele que chegou mais próximo do alvo.
Assim o reconhecem até os juristas. Tem que se dar por satisfeitos se
com seu governo e administração da coisa pública conseguem que ninguém
inflija a outro injustiças muito grosseiras, ainda quando seja
impossível acertar e aplicar rigidamente a justiça em sua forma pura.
Porém quando chega ao poder um desses desorientados, só causa alvoroço,
distúrbios e dissensões.
Assim
toda autoridade secular tem que se ater ao que é possível. Não obstante,
a razão gostaria de elevar a salvação ou a uma ordem política perfeita
pela via da injustiça. Porém tal coisa é impossível. Que fazer então?
Quase se diria que acontece como com aquele que queria subir uma alta
montanha e por não poder fazer, exclamou: “Pois bem, ficarei aqui”. No
entanto, Cristo nos diz: “Se vossa justiça não for maior que a dos
escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus” (Mateus 5:20). Ali
no sermão do monte o Senhor explica qual o verdadeiro cumprimento da
lei, e o que significa acertar o alvo: não se irar, nem mesmo no
recôndito do coração; não cobiçar nem mesmo em pensamentos a mulher ou
os bens do nosso próximo. Ali se coloca diante dos nossos olhos a
justiça mais perfeita. E, apesar de tudo os homens acreditam poder
alcançá-la mediante o cumprimento da lei. “Não queremos nem
pretendemos”, dizem, “acertar exatamente o alvo”; se o conseguem com
certa aproximação, se têm por desculpados. Nós, porém, atentamos para o
que nos ensina Cristo: “Ninguém pode ver o reino de Deus ao menos que
tenha acertado o alvo”. E no Apocalipse lemos: “Neste tabernáculo não
entrará nenhum imundo”. Que devemos fazer pois? Também exclamaremos:
“Temos que ficar aqui embaixo, não podemos subir a montanha”?
Tampouco
Nicodemos sabe outra coisa que esta: “Eu sou uma pessoa correta, vivo
piedosamente conforme a lei e transito pelo caminho que conduz ao céu”. E
agora ele quer que esse Mestre lhe expresse sua aprovação ou
desaprovação – ainda que não gostaria de pensar nesta última opção,
senão espera que o Senhor lhe responda: “Sim, Nicodemos, és perfeito, e
ainda: Já és bem-aventurado e os demais entrariam no reino dos céus se
fizessem como tu”. Porém, ocorre justamente o contrário: Cristo o bota a
correr do reino dos céus: “Por certo, és um homem bom. Porém se não
nasces de novo, tua justiça não te servirá de nada.” O “nascer de novo”:
esta é a justiça na qual insistimos tanto em nossa pregação. Ou seja:
Cristo não tem a intenção de rechaçar a lei, antes quer que ela seja
cumprida. “Porém”, diz “a forma como vós a cumpríeis não tem validade.
Cumpríeis a lei só em vossa imaginação, mas não na realidade. Os Dez
Mandamentos são perfeitos, e quero que os cumpra. Quem quiser entrar no
céu tem que cumpri-los. Porém, com o vosso conceito do ‘direito’ e com a
vossa justiça, não os estais cumprindo”. Não temos outra justiça melhor
do que a que resultaria do meu cumprimento de tudo o que se manda nas
duas tábuas da lei de Moisés. Então seríamos “justos” – porém só justos
conforme a justiça dos fariseus, e não conforme a justiça exigida pela
lei.
II. Só a regeneração nos torna participantes da salvação eterna
É-nos
dito, pois: “lhe é necessário nascer pela segunda vez”. Para Nicodemos
isso é chocante. Ele pensa em outras leis, alem do ponto das leis
mosaicas, tais como as que achamos no papado e no judaísmo farisaico;
espera que Cristo estabeleça artigos novos, leis novas, todo um código
novo. Porém, nada disso: Cristo não diz uma palavra quanto a leis e
estatutos novos. “Pois o que possuis em matéria de leis já é mais do que
podeis cumprir. Eu, em troca, os prego assim: Vós, vós mesmos precisam
chegar ser outras pessoas. Eu não falo de fazer ou não fazer, senão de
chegar a ser. Tu tens que chegar a ser outro homem, tens que nascer de
novo. Isso será então a justiça que acerta o alvo, a justiça sem mancha
nem ruga, a justiça que conseguirá entrar no céu”. Para Nicodemos, ao
ouvir Jesus falar dessa maneira, lhe vem certas duvidas. Essas são
palavras novas para ele. “Entrar eu pela segunda vez no ventre de minha
mãe? Tolice!” Porém a essas tolices Cristo acrescenta outras piores:
“não te digo que tenhas de nascer de novo de pai e mãe humanos, senão da
água e do Espírito Santo”. Agora, Nicodemos fica totalmente confundido.
“Que homem e mulher são esses: água e Espírito?” E como se ainda não
fosse suficiente, Cristo lhe pergunta: “Tu és mestre de Israel e não
sabes disso?”, o que soa como zombaria manifesta. E sem dúvida, Cristo
tem que falar assim porque o assunto é totalmente novo para Nicodemos.
Para explicá-lo Cristo recorre a uma ilustração como se quisesse dizer a
Nicodemos: “queres que eu desenhe para que tu entendas? Digo-te porém:
se não podes captar com a razão, capta-a com a fé. Pois se não
acreditaste quando te falei coisas terrenas, como crerás se eu te
falasse das coisas espirituais? Nós falamos o que sabemos, e o que
sabemos é a verdade e vós não acreditais Pois bem: se alguém não quer
crer, deixe-se!”
A nossa
pregação, iniciada naquelas condições por Cristo, se apoia
exclusivamente na fé. Só com a fé se pode compreender da “regeneração
pela água e pelo Espírito”. O Espírito é o homem e a água a mulher. O
que isso implica, não o podes medir com a tua razão. Daí o tema que
pregamos seja artigo de boas obras ou de fé. E já os papistas aprenderam
algo de nós ao dizer que com a fé e a graça começa a vida
verdadeiramente cristã. Antes só se falava da missa privada e da
invocação dos santos; agora, em troca, dizem que a fé, efetivamente,
salva, porém não só a fé, senão a fé em cooperação com nossas obras. E
essa cooperação, apóiam, é imprescindível. E a nós criticam duramente
afirmando que proibimos as obras e induzimos os homens à preguiça.
Todavia lhes falta bastante para serem tão piedosos e estarem tão
próximos da verdade como Nicodemos. Nós nunca proibimos as boas obras;
mais ainda: se dizemos algo a respeito das boas obras, nossa própria
gente fica logo com raiva, o qual é um claro sinal de que realmente
pregamos sobre esse tema.
E apesar
disso os papistas seguem blasfemando de nós. Eles ensinam: “as boas
obras têm quer vir com a ajuda da fé – vãs palavras que demonstram que
esses mestres não têm noção do que é fé, boas obras, nascer do Espírito,
nascer de Deus. É por isso que é necessário que estudemos com cuidado o
nosso presente texto (João 3:5) e outros iguais. Aqui se fala de
“nascer de novo”, não de “fazer algo novo”. Primeiro deves plantar uma
arvore, e logo terás também os frutos. Segundo seja boa ou mal a arvore,
serão também bons ou maus os frutos. O mesmo ocorre aqui. Nós chamamos
um novo nascimento, quer dizer, uma nova maneira de ser, uma nova
pessoa, não somente um novo vestido ou novas obras. Quando eu era monge,
minha vestimenta era distinta e também minhas obras eram; as sete horas
para as orações, a missa, o crisma, o celibato – todas essas eram
outras obras, muito dessemelhantes de minhas obras anteriores. Porém a
simples mudança das obras não é o que vale; que mude a pessoa, que mudem
os pensamentos e o ânimo: esse é o novo nascimento. Portanto não se
pode sobrepor as obras à fé. Em que uma criança contribui para que seja
concebida e venha à luz? Isso é obra dos pais; a criança não faz nada
para que suas perninhas e todos os seus membros cresçam; não é parte
ativa nesse processo de crescimento, senão parte meramente passiva. Qual
foi, nesse sentido, a nossa contribuição? Onde estão as obras
cooperantes? Queria saber então de onde vem essa insistência de que se
deve agregar também obras , e logo obras próprias nossas!
É
verdade: a mãe leva a criatura em suas entranhas e lhe dá o calor
materno; no entanto, não é obra dela que essa criatura se origine. De
igual maneira quem pregamos e batizamos somos nós, no entanto, a palavra
e o batismo não são nossos; somente pomos à disposição nossa boca e
nossas mãos. Na realidade a palavra e o batismo são de Deus, no entanto
somos chamados colaboradores de Deus (1 Coríntios 3:9). É, por certo,
uma colaboração bastante modesta a nossa. Não que contribuamos com obra
ou a palavra; o único com que contribuo ao batizar e pregar é com a voz,
os dedos, a boca. Assim, na geração de uma criança, o pai e a mãe só
contribuem com a carne e o sangue como fatores seus; a criatura
concebida não contribui absolutamente em nada, senão que “se deixa
criar” por Deus todos os seus membros, e a mãe a leva em seu seio. Há
alguma razão então para que eu retire a honra de Deus e diga que eu
mesmo me gerei e que minha própria atuação contribuiu para que eu
nascesse? Isso não significaria um agravo a Deus? Por acaso não somos
chamados seus filhos, obras de suas mãos? Se é verdade que as obras
colaboram na regeneração, vejo-me obrigado também a achar que eu
colaborei com Deus – e isso é uma blasfêmia contra Ele. Mas se é verdade
que eu sou nascido de novo, como diz Cristo, não tenho que colaborar
com nada, senão que tenho que permanecer quieto e passivo para aquele
que é meu Pai e Criador me faça nascer de novo como filho seu. Nesse
sentido o apostolo Paulo declara que “nós somos uma nova criação,
criados em Cristo para boas obras”. Como se vê, Paulo não se esquece das
boas obras, mas as menciona não por que tenham contribuído em algo, não
por que sejam elas que produzem a nova criação, mas “para que
andássemos nelas”. Se é certo que minhas próprias obras contribuem para
que eu seja uma nova criação, bem posso me gloriar de ser meu próprio
Deus; porque o criar é obra exclusiva de Deus. Se eu colaboro, então
Deus não é meu único Deus, senão que eu também o sou. Por outro lado, se
Ele é o único, não o posso ser eu também, como se afirma muito
claramente no Salmo: “Ele nos fez e não nós a nós mesmos; somos seu povo
e ovelhas de seu pasto”. E não obstante, certa gente incorre em
tremenda tolice de sustentar que a fé cria homens novos, mas com a ajuda
das obras. Mas precisa de toda lógica dizer que eu me crio a mim mesmo e
sou Deus junto com Deus, de modo que Ele me tem a seu lado como um Deus
adjunto. Assim como eu não me formei a mim mesmo no corpo de minha mãe,
senão que foi Deus quem me formou, valendo-se dos meus membros e do
calor de minha mãe, assim tampouco na regeneração somos convencidos
mediante nossas próprias forças e obras, senão unicamente pelas mãos e o
Espírito de Deus. Em consequência, é ilícito acrescentar obras à fé; do
contrário, não é Deus só o que me cria, senão que eu sou
simultaneamente com ele meu próprio criador. Ao fogo do inferno com um
criador que se cria a si mesmo! A Escritura me chama de uma nova criação
de Deus e, não obstante, eu haveria de atribuir a nova criação a mim
mesmo? De esse modo eu seria criação e criador, obra e obrador em uma
mesma pessoa. A toda luz, esses são pensamentos diabólicos e ensinos de
homens cegos. Devemos observar estritamente ao que aqui nos ensina o
evangelista São João. Também Paulo nos chama “novas criaturas”. Da mesma
maneira, pois, como não contribuo para meu nascimento corporal e pela
minha concepção, senão que sou parte meramente passiva e ‘me faço’ gerar
e criar, da mesma maneira tampouco as obras contribuem em nada para que
o homem seja regenerado. Se não for assim, Deus já não será apenas
Deus, senão que nós seremos Deus junto com Ele e seremos nossos próprios
progenitores. Mas quando a criatura já está gerada, e quando a
criancinha já está formada no seio materno com todos seus membros, a mãe
diz: “Sinto que o nenezinho faz as obras que em seu estado pode fazer”.
Porem, só o já criado dá esses sinais de sua existência, e só quando
foi dado à luz move seus membros, e fica com vida, aprende a caminhar e a
cantar. Mas se não tivesse sido criada previamente, agora não se
moveria.
III. O regenerado se manifesta como crente mediante a prática de boas obras.
Nossa
pregação quanto à nova criação é, pois, uma vez que fomos regenerados,
devemos andar em boas obras. Nesse sentido fazemos algo: pregamos;
aqueles, todavia, que são convertidos não fazem nada para chegar a
sê-lo, já que somos criação e obra de Deus, “criados para que andássemos
em boas obras” (Efésios 2:10). Essas palavras nos falam com inteira
claridade. A semelhança com uma criatura humana é evidente. A criatura
deve se separar do corpo materno; antes de estar completamente formada,
não contribui em nada para esse fato. Por que Deus a beneficiou de
membros? Para se mover; uma vez nascida deve caminhar, ficar de pé,
comer, beber, trabalhar, mandar, pois para isso nasceu. Se não fizesse
nada, seria um tronco ou uma pedra. Porém deve fazer algo, para isso foi
criada. A isso se refere Cristo quando disse ao fariseu Nicodemos:
“Todos vós quereis ser vossos próprios criadores. Possuíeis a lei de
Moisés e esforçai-vos para cumpri-la. Porem não obtereis êxito, uma vez
que ainda não nascestes de novo; não possuíeis o Espírito Santo. Por
conseguinte todas as vossas obras são obras do velho homem. Podeis, por
exemplo, construir uma casa ou fabricar um sapato, porém tais obras não
têm nada haver com o céu. Não são obras que conferem justiça a quem as
faz. Também os gentios são capazes de fazê-las. Ademais trazeis
oferendas, circuncidais a vossos filhos, usais as vestiduras sagradas –
também isso está ao alcance de qualquer pagão. Por isso digo que são
obras do homem velho, nascido uma só vez, a saber, do seio de sua mãe.
Mas se quereis fazer obras que sejam de valor diante de Deus e que
tragam proveito ao próximo, precisais nascer de novo. Vós por sua vez
acreditam que o fazer obras que exteriormente parecem ser boas já está
assegurada a vossa entrada no céu, ainda mesmo o coração não se achando
no estado devido. Porem não façais as coisas ao contrário, não comeceis
pelas obras!”
Também
os papistas são da opinião de que se pode merecer o céu com suas obras
que acompanham a graça. É um engano. As boas obras não podem ajudar de
nenhuma forma, nem como obras que precedem a graça, nem como obras que
lhe correm paralelas, nem tampouco como obras que seguem a graça, senão
que tudo tem que proceder do Espírito Santo e da água. “No lugar de pai e
mãe vos darei água e o Espírito Santo”, reza a pregação de Cristo. Onde
isso é assim, posso dizer: “minhas próprias obras não me criaram, nem
me geraram como nova criação, nem tampouco poderão fazê-lo, posto que
fui criado e gerado da água e do Espírito”. Também resulta agora fácil
provar e julgar os espíritos fanáticos. Pois o que nasceu, o que já foi
feito e criado, não tem necessidade de ser feito e criado. Como podem
dizer então que as obras subsequentes à graça me geram e me criam? Fazer
boas obras é necessário; correto – porém não para chegar a ser por meio
delas uma nova criação. Portanto há de se diferenciar entre fé e obras;
assim, aqui o Senhor nos ensina. As obras feitas antes da fé são
condenadas como pecado. Em contrapartida, as obras feitas por quem já
tem fé são obras preciosas e boas. Todavia, tampouco essas servem para
nos converter em homens justos, senão para louvar e glorificar a nosso
Pai que está nos céus (Mateus 5:16) e para causar alegria aos anjos.
Pois quem por meio de boas obras e de uma pregação frutífera honra ao
Pai, receberá também dele a recompensa correspondente. Se não andas em
boas obras, tampouco nasceu ainda para elas (Efésios 2:10).
Onde se
ensina e se vive dessa maneira, a verdade aqui ensinada por Cristo
permanece vigente em toda a pureza. Cristo diz que temos que nascer,
Paulo reforça que temos que ser criados por Deus. Falando em termos de
comparação com uma criatura: a criatura não se gera nem se faz nascer a
si mesma, senão que depois de ser criada pode fazer obras. Analogamente,
a árvore frutífera depois de plantada dá frutos. Não se diz: “Se não
tiver peras na árvore, essa não é uma árvore”, senão o inverso. Por isso
cresce a pereira, para que dê peras, para glória e louvor de Deus o
Criador, e para que nós as comamos. Assim, a obra de Deus é a que
precede, e a nossa obra é a que segue. Igualmente: se não existisse
ferreiro, não existiria machado, pois para que machado corte,
previamente precisa ser fabricado. Só um perfeito idiota poderia dizer:
“Faz-me um machado que colabore na sua fabricação, de maneira que
mediante seu despedaçar e cortar se transforme em machado”. Primeiro se
fabrica o machado, e só então se pode empregá-lo nos trabalhos aos quais
a ele se destinam.
Sobre
esse tema se discute de modo por demais obstinado desde os primórdios da
humanidade. E esse é o nosso ensino no qual insistimos com toda
energia, afim de que conserve o lugar correspondente na igreja e para
evitar que penetrem nela pessoas que atribuem um efeito também às obras
precedentes ou concomitantes. Primeiro deve estar a criação, o
nascimento: logo pode seguir a obra. Nicodemos não pode compreender isso
porque ele vive na crença equivocada de que obterá êxito para entrar no
céu graças as suas obras precedentes. Cristo se opõe a ele com um
sonoro NÃO: “o que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”.
Todos aqueles que ensinam algo que contrarie esse artigo são falsos
mestres. Nós, todavia, cremos e damos graças a Deus pelo fato de que ao
fim foi trago a luz e posto ao conhecimento de todos qual é o verdadeiro
caminho da vida: “Faz com que eu seja regenerado sem a colaboração de
nenhuma obra minha, mas apenas pela palavra e pela fé”. Se tal é o caso,
sou filho de Deus, tenho livre acesso a casa de meu Pai, e tudo quanto
faço é bom e aceito diante de seus olhos. Se meu pé escorrega, Ele me
castiga. Se eu sou uma arvore boa, levo frutos bons. Se a árvore é
tomada por vermes nocivos, o Pai os extermina. Se eu sou um bom machado,
sirvo para cortar; se no machado se produz uma falha, também esse mal
poderá ser sanado pelo Pai. Por isso vós os fariseus estais muito
distantes do alvo com vossas obras precedentes; porque dessas resulta
não mais que uma justiça válida diante dos olhos do mundo e para ela
vale o que acabo de dizer quanto ao atirador. A justiça proveniente da
fé acerta o alvo: aponta ao centro mesmo e penetra até a vida eterna –
não por nossos próprios meios, senão em união com aquele que é o
Mediador, do qual se fala na parte final do evangelho (João 3:14 e
similares). Fomos criados por Ele e somos recriados por Ele; por meio
Dele somos uma criação perfeita, apesar de ainda não estarmos livres de
faltas e debilidades.
Isso se
chama falar de forma cristã sobre a regeneração, da qual os papistas, os
turcos e os judeus não têm o menor conhecimento. Estou seguro,
portanto, que no Concílio[1] dos papistas rejeitarão esse artigo, já que
a norma deles é julgar a obra de Deus segundo eles mesmos a entendem.
Cristo, porém, sustenta invariavelmente: “O que não nascer de novo, não
pode ver o reino de Deus”. É preciso, pois, deixar de lado os
pensamentos próprios, a sabedoria própria, as opiniões próprias e ouvir
somente a palavra por meio da qual é criado em ti um coração novo sem a
tua contribuição, como o novo ser no corpo da mãe. Este texto soluciona a
questão que se vem debatendo no mundo inteiro sobre como é possível uma
vida bem-aventurada e feliz. Não há outro meio que a justiça efetuada
pela regeneração não atinja o alvo.
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Traduzido de http://www.escriturayverdad.cl/mlutero.html
Original em espanhol: Nos Es Necesario Nacer De Nuevo.
Convertido para o formato digital por Andrés San Martín Arrizaga, 27 de Fevereiro de 2007
Tradução: Luciano de Oliveira
Revisão: Armando Marcos Pinto
18 de outubro de 2012
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Fonte: Projeto Spurgeon
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